quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Vestes Litúrgicas

VESTES LITÚRGICAS 'RESGATAM O SENTIDO DA ORDENAÇÃO'?

Martin Weingaertner

Para o fortalecimento e consolo
dos que foram e são intimados
por sua liberalidade no uso de vestes litúrgicas.

Quando no pregão das bolsas de valores a tendência de baixa perdura, seus operadores também entram em crise. Talvez ela não afete a todos, mas certamente aqueles que sabem ter gerado prejuízos. Para evitar a desconfiança dos investidores, estes operadores mantêm aparências insuspeitas. Esnobam segurança, pois o marketing duma imagem sólida é essencial. Os clientes não podem perceber, de modo algum, a crise de vocação pela qual seu trader de confiança está passando!

Em 1995 Nick Leeson demonstrou magistralmente como este esquema funciona. O jovem operador inglês conseguiu manter-se na crista da onda até levar à falência o Banco Barings, um império bancário britânico com tradição centenária, gerando um colossal prejuízo para investidores atônitos.

Ao ler, no Jornal Evangélico, a manchete "Estola resgata sentido da ordenação" não pude deixar de fazer a comparação com o mercado. A matéria informa sobre as propostas da Comissão de Liturgia, detalhando pormenores de vestes litúrgicas alternativas (alba, estola e camisa ou blusa clerical). Neste contexto o jornal menciona que "o Co(nselho) de Li(turgia) entende que a estola pode ajudar a Igreja a resgatar o sentido da ordenação. A estola passaria a ser, assim, o sinal da ordenação."

Somente consigo entender a ampla cobertura desta proposta da Comissão Litúrgica, se a relaciono a um cenário de mercado de valores. A tendência de baixa de nosso mercado eclesiástico é perceptível a cada culto, inclusive nas tradicionais épocas de bull market (Natal, Confirmação, etc). Os clientes tradicionais estão sumindo. A idade média do público cresce ano por ano. O reflexo nas finanças eclesiásticas é inegável. Em decorrência disto uma crise profunda ronda os operadores do nosso mercado eclesiástico. O sentido da sua ordenação está à mercê das ondas. Qual Pedro o clero luterano parece prestes a soçobrar em mar agitado e voraz (Mt 14.22-33). E, no empenho desesperado de dissipar a crise de confiança que se alastra , investe-se cada vez mais na imagem, na esperança de que a 'estola resgate o sentido da ordenação'.

A angústia que está por trás deste make up litúrgico, sem dúvida, é real. Ela teme perguntas e, quando questionada, reage com agressividade. O sociólogo Paul Freston parece acertar no diagnóstico quando afirma que "os solventes do mercado religioso vão criando na IECLB uma consciência de crise parecida com a da Igreja Católica".

Mas, poderão as soluções propostas resgatar-nos desta crise de vocação? A expectativa do Conselho de Liturgia é compartilhada por outros. O jornal de maior circulação na IECLB, 'O Caminho', por exemplo, transcreveu a matéria literalmente.

Esta preocupação com a imagem pastoral na IECLB pode ser observada há mais tempo. Ao reformar o Regimento Interno o Concílio Geral de Três de Maio, em 1990, implementou o traje do pastor distrital com uma cruz de bronze "que lhe distingue a função". Assim, os degraus de hierarquia eclesiástica ficaram patentes, uma vez que os Pastores Regionais e o Pastor Presidente, respectivamente, usam cruz de prata e dourada. Posteriormente, o Concílio Geral de 1994 aprovou o Regulamento do Exercício Público do Ministério Eclesiástico. Este procura introduzir o uso obrigatório do talar, visando garantir uniformidade em toda igreja:

"Ao dirigir Cultos, ministrar Sacramentos e realizar ofícios (confirmação, bênção matrimonial, bodas e sepultamentos) a pastora ou o pastor usa o talar que lhe distingue a função em conformidade com as disposições da Igreja."

As conclusões do Conselho de Liturgia acima mencionadas inserem-se neste contexto maior, pois, apenas, pretendem implementar as decisões conciliares. Suas propostas foram acolhidas e referendadas pelo Conselho Diretor em sua reunião de março de 1995.

Um observador atento deste processo não deixará de perceber duas coisas. Em primeiro lugar cai em vista que todo este assunto é introduzido na regulamentação eclesiástica sem reportar-se às Sagradas Escrituras. Este silêncio é constrangedor numa igreja luterana que afirma fundamentar-se no testemunho bíblico.

Em segundo lugar observa-se que este processo de implementação do uso de vestes litúrgicas, no mínimo, marginaliza segmentos da igreja. Não obstante à vocação democrática da igreja, este assunto foi e é decidido mais por câmaras em que predominam pastores, do que pelo povo luterano. Estes processos decisórios não partiram das bases.

Por isto o assunto certamente carece de debate para uma avaliação mais acurada. Maiorias conciliares não deveriam decidir sem ouvir os argumentos de quem diverge, nem impor práticas, sem fundamentá-las plausivelmente. Neste processo o argumento bíblico tem seu lugar inalienável! Quem deixar de buscá-lo apenas oportuniza espaço para o legalismo eclesiástico. Por isto me proponho a contribuir, aqui, com alguns argumentos teológicos e missiológicos que, a meu ver, precisam ser considerados!

1. OS PARÂMETROS DA ESCRITURA SAGRADA

Como escritura sagrada o Novo Testamento é parâmetro inconteste da doutrina e da vida na igreja. Como norma normans ele está acima de toda regra que estabelecemos posteriormente (norma normata). Por isto não podemos deixar de levar em conta o que ele diz.

O Novo Testamento documenta que a Igreja do primeiro século desconhecia qualquer preocupação com uso de vestes litúrgicas. Em parte nenhuma ele induz a fazer qualquer distinção no corpo de Cristo. O testemunho bíblico afirma a diversidade de dons e ministérios. Ao mesmo tempo, porém, enfatiza o caráter fraterno e igualitário de todos que foram integrados por Jesus ao seu corpo, a igreja (1Co 12; Gl 3.28). Isto é decorrente do ensinamento de Jesus. Ao lavar os pés dos apóstolos ele demonstrou que o serviço de escravo distingue qualquer função de um discípulo seu (Jo 13; cf. tb. Mc 9.33ss. 10.35ss. e paralelos). Aliás, pelo mesmo motivo Jesus critica os fariseus que pretendiam distinguir-se, em sua piedade, pelo uso de vestes especiais (Mc 12.38 e Lc 20.46).

Neste particular a comunidade do discípulos difere fundamentalmente da comunidade da velha aliança. As vestes dos sacerdotes israelitas não fazem mais parte do equipamento que Jesus recomenda aos seus discípulos para o desempenho da sua missão (Mt 10). Pelo contrário, Jesus desafia os seus seguidores a não viverem preocupados com o que devem vestir (Mt 6.25-34 e 10.10). Assim, as vestes dos sacerdotes da velha aliança passaram a fazer parte da "sombra das coisas que haveriam de vir" (Cl 2.17). Com a vinda de Cristo toda sombra foi absorvida pela luz.

No processo contra Jesus o sumo-sacerdote rasga as suas vestes sacerdotais (Mc 14.63). Sem percebê-lo ele anula simbolicamente sua função, pois a lei lhe vedava rasgá-las (Lv 21.10). Assim Caifás abre espaço para Jesus, o novo e eterno sumo-sacerdote, revestido de obediência plena a Deus (Hb 5.1-7; Fp 2.1ss). Portanto, a nova aliança não conhece outra veste a não ser aquela com a qual o próprio Pai reveste seus filhos pródigos, a vestidura da fé (Lc 15.22; Ef 6.11-18).

2. UMA RELEITURA DA HISTÓRIA

Nos séculos subseqüentes da história eclesiática não nos legam testemunhos acerca do uso de vestes litúrgicas na igreja. Apenas a partir dos primórdios da Idade Média temos notícias de que as lideranças eclesiásticas passaram a usar vestes litúrgicas, assimilando hábitos das elites contemporâneas. O reconhecimento público da Igreja a partir de Constantino e sua influência política crescente certamente aceleraram esta assimilação cultural. No decorrer dos séculos subseqüentes especialmente a Igreja romana desenvolveu uma sofisticada diferenciação nas vestimentas. Esta passou a refletir tanto a divisão entre clero e leigos, como os degraus hierárquicos do próprio clero, assimilando hábitos dos sacerdotes pagãos. A estola tem sua origem neste contexto. Note-se que a IECLB, ao introduzi-la, ingenuamente retoma uma tradição que diverge fundamentalmente da confissão da reforma luterana, como veremos a seguir.

A reforma do século XVI alterou profundamente o uso das vestes litúrgicas. A redescoberta do Evangelho reafirmou o sacerdócio geral dos crentes e, por conseqüência, questionou a distinção entre clero e leigos. As vestes perderam sua função consagradora. E, em decorrência disto, a reforma luterana adotou para seus pastores um traje semelhante ao dos acadêmicos, professores e autoridades da época. O talar colocou o pastor no nível de outras lideranças comunitárias, repudiou toda pompa eclesiástica medieval para enfatizar o anúncio da palavra.

A exclusão de todas as cores e da pomposidade do culto visava enfatizar a palavra, característica inalienável do culto na igreja da reforma. O anúncio fiel do evangelho e o zelo pela reta administração dos sacramentos são os únicos distintivos da igreja, bem como da função pastoral. Por isto a Confissão de Augsburgo (1530 a.D.) sintetiza:

"...para a verdadeira unidade da igreja cristã é suficiente que o evangelho seja pregado unanimemente de acordo com a reta compreensão dele e os sacramentos sejam administrados em conformidade com a palavra de Deus. E para a verdadeira unidade ... não é necessário que em toda a parte se observem cerimônias uniformes instituídas pelos homens."

Portanto, numa igreja luterana, qualquer regulamento do exercício público do ministério eclesiástico deveria levar em conta esta liberalidade evangélica, pois ela é legado inalienável da reforma.

A Confissão de Augsburgo também é mui clara quanto a ritos e tradições. No intuito de destacar a proeminência e primazia do evangelho sobre qualquer costume eclesiástico os reformadores despojaram a tradição de sua pretensão normativa, submetendo-a à autoridade do evangelho. A partir dele todas as tradições podem e devem ser avaliadas em sua funcionalidade. Quanto a ritos eclesiásticos a Confissão de Augsburgo diz expressamente que "não se devem onerar as consciências com essas coisas, como se fossem necessárias para a salvação".

Mais adiante a Confissão de Augsburgo explica a razão maior de sua insistência na preservação desta liberdade:

"Em primeiro lugar (tradições humanas) obscurecem a graça de Cristo e a doutrina da fé, que o evangelho põe diante de nós com grande seriedade, insistindo vigorosamente que se considere o mérito de Cristo como algo de grande e precioso e se saiba que a fé em Cristo deve ser posta muito acima de todas as obras. Por isto São Paulo batalhou com veemência contra a lei de Moisés e as tradições humanas, para aprendermos que diante de Deus não nos tornemos piedosos mediante as nossas obras, porém somente pela fé em Cristo, que alcançamos a graça por amor de Cristo. ...

Em segundo lugar, tais tradições obscurecem os mandamentos de Deus, pois foram colocadas muito acima dos preceitos divinos. Só se considerava vida cristã isto: observar as festas dessa maneira, rezar dessa maneira, jejuar dessa maneira, vestir-se dessa maneira. ... As tradições ... tinham o esplêndido nome de serem as únicas obras santas e perfeitas. Razão por que não havia limite nem fim quanto à feitura de tais tradições.

Em terceiro lugar, essas tradições se tornaram grande peso para as consciências. ... entre nós..., todavia, ensina-se ao povo que esse culto divino externo não torna justo diante de Deus e que se deve observá-lo sem onerar a consciência, por forma que, se for omitido sem causar escândalo, não há nisso pecado. Essa liberdade em cerimônias exteriores também foi mantida pelos Pais antigos.

Nos seu último artigo sobre o 'Poder dos Bispos' a mesma Confissão ainda argumenta:

"Por isso, segundo o direito divino, o ofício episcopal é pregar o evangelho, perdoar pecados, julgar doutrina e rejeitar doutrina que é contrária ao evangelho, e excluir da congregação cristã os ímpios cuja vida ímpia seja manifesta, sem emprego de poder humano, mas apenas pela palavra de Deus. E nisso os paroquianos e as igrejas têm o dever de obedecer aos bispos, de acordo com a palavra de Cristo Lucas 10: 'Quem vos der ouvidos, ouve-me a mim'. Todavia, quando ensinam, introduzem ou estabelecem algo contrário ao evangelho, temos ordem de Deus de que em tal caso não devemos obedecer. ... Por isto, visto que tais ordenações (a saber, cerimônias, leis a respeito de alimentos e diferentes ordens de ministros da igreja), instituídas como necessárias, para reconciliar a Deus e merecer graça, são contrárias ao evangelho, de modo nenhum é próprio para os bispos impor semelhantes cultos. Pois é necessário reter na cristandade a doutrina da liberdade cristã de que não é necessária a servidão da lei para a justificação, conforme escreve São Paulo aos Gálatas, capítulo quinto: 'Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais de novo a jugo de escravidão.' É necessário conservar o artigo principal do evangelho: que alcancemos a graça de Deus pela fé em Cristo, sem mérito nosso, e que não a merecemos mediante culto instituído por homens."

A Confissão de Augsburgo também aponta a causa que gera os equívocos na igreja quanto às tradições:

"Há muitas discussões falhas sobre a mudança da lei, sobre as cerimônias do Novo Testamento, sobre a mudança do sábado. Originam-se todas da falsa e errônea opinião de que devia haver na cristandade um culto similar ao levítico ou judaico, e de que Cristo haja ordenado aos apóstolos e bispos que excogitassem novas cerimônias necessárias para a salvação. Esses erros se introduziram na cristandade, quando não se ensinava e pregava de maneira límpida e pura a justiça da fé."

Também depois de 1530 os reformadores luteranos mantiveram uma postura tolerante em relação ao uso ou não uso de vestes litúrgicas. Na sua Apologia da Confissão Filipe Melanchton escreve:

"Se o estilo alemão de vestir, por exemplo, não é culto divino necessário para a justiça diante de Deus, segue-se que homens podem ser justos e filhos de Deus e igreja de Cristo, ainda que se vistam não à germânica, mas pelo estilo gaulês"

"Os (nossos) adversários absolutamente não entendem o que vem a ser justiça da fé e reino de Cristo, se julgam que é necessário haver similitude em observâncias respeitantes a comidas, dias, vestimenta e coisas similares, em que não há mandamento de Deus"

"...o verdadeiro ornato das igrejas é doutrina piedosa, útil e clara, o uso devoto dos sacramentos, prece ardente, e coisas semelhantes. Velas, vasos de ouro e ornatos que tais convêm, mas não são o ornato próprio da igreja. (Quem põe)... o culto em coisas como essas, não na pregação do evangelho, na fé, e nas lutas da fé, deve(m) ser contado(s) entre os que na descrição de Daniel adoram seu Deus com ouro e prata. ... O culto das missas e a restante organização política papal outra coisa não é senão ordem levítica mal entendida".

Os reformadores suíços, Zwinglio e Calvino, optaram pela total eliminação do uso de vestes litúrgicas. Mas, comum à toda reforma do século XVI é a percepção de que a função pastoral se distingue invariavelmente pela mensagem da qual ela é portadora.

Mais tarde, porém, a liberalidade luterana em relação às vestes litúrgicas acabou sendo restrita por motivos políticos. As igrejas luteranas passaram a gravitar em torno dos príncipes, dos “Landesherren”. À medida que estes se adonaram das igrejas, os pastores tornaram-se seus serviçais. Passaram a exercer uma função ideológica no sistema político vigente. Por este motivo os monarcas evangélicos tinham interesse político na uniformização dos trajes litúrgicos.

Assim o rei Friderico Guilherme III, como "Landesherr" da igreja na Prússia decretou, em 20 de março de 1811, o uso obrigatório do talar preto com peitilho branco. Com a ascensão do rei prussiano ao trono do Império Alemão sua legislação referente ao talar foi extendida à toda Alemanha. Neste contexto o talar adquiriu função de farda de oficial prussiano. O talar passou a distinguir o pastor na qualidade representante do príncipe em questões religiosas. Assim o talar, na sua origem um traje secular, veio a ser expressão da aliança de trono e altar. Não admira que neste papel, os pastores alemães abençoaram as tropas que marcharam para a Primeira Guerra Mundial.

Não é de admirar que neste processo histórico o sacerdócio geral ficasse esquecido e o ministério pastoral adquirisse traços do absolutismo real. O clericalismo católico apenas foi substituído pelo domínio pastoral. Também a história eclesiástica evangélica continuou sendo primordialmente história de pastores, não de igrejas. A afirmação teológica do sacerdócio geral dos crentes não resultou automaticamente em ministério compartilhado.

3. O DESAFIO MISSIONÁRIO DO NOSSO CONTEXTO CULTURAL

A questão do uso de vestes litúrgicas precisa ser visto ainda de uma terceira perspectiva. Além da fundamentação bíblica e do enfoque histórico-teológico necessariamente voltados para o passado, precisamos refletir o assunto também em vista do futuro.

A crise que aflige nossa igreja tende a crescer. No âmbito metropolitano ela já é percebida com mais intensidade do que em cidades pequenas. Com precisão Paul Freston observa que

"embora a identidade entre etnia e religião ainda proporcione à IECLB uma proteção do mercado, o declínio numérico vai erodindo esta proteção e acabará obrigando-a a lançar-se ao mercado"

A solução dos desafios que enfrentaremos não está na repetição dos modelos do passado. Necessitamos dispor-nos ao que Deus quer operar no amanhã. Nesta busca da urgente e necessária renovação a igreja, em terras brasileiras e em épocas democráticas, necessita rever as suas tradições eclesiásticas segundo o parâmetro do Evangelho. Quero apontar quatro aspectos que devem ser levados em conta neste aprendizado:

1. Em terras brasileiras o talar foi importado com os costumes da igreja luterana alemã. Enquanto que as comunidades luteranas continuavam em redomas culturais germânicas a tradição não era nem é questionada. Mas, à medida em que, nas últimas décadas, se concretizou a ruptura deste laço étnico, todas as heranças culturais passaram a ser questionadas, ainda que silenciosamente. Quanto maior o centro urbano tanto mais evidente é este questionamento. Por mais preciosa que fosse a tradição dos pais, esta não é mais assimilada automaticamente.

2. No contexto maior das igrejas evangélicas brasileiras o uso do talar causa estranheza. Ele lembra a batina dos padres de outrora e por isto não sinaliza necessariamente dedicação à palavra de Deus. Também a partir desta perspectiva a funcionalidade do uso do talar é questionável. É bem verdade que ocasionalmente este questionamento acontece de modo abrupto, sem pedagogia que o justifique. Mas, isto não anula a legitimidade do questionamento.

3. Na busca por novas formas de vida comunitária o uso de vestes litúrgicas também é questionado por ser expressão do monopólio clerical na vida da igreja. Ele induz a uma distinção que não faz jus à fraternidade de irmãos e irmãs. Assim novas formas de culto e celebração procuram dar espaço compartilhado aos irmãos. Neste ambiente o pastor de batina, com razão, é percebido como estorvo, pois antes lembra desmandes do passado, do que sinaliza abertura para o novo. Talar é odre velho no qual não se pode pôr vinho novo (cf. Mt 9.17). A introdução do uso da alba com estola, por sua vez, é mera osmose da prática católica. Esta marca um passado brasileiro que não deveríamos imitar.

4. O trabalho missionário, o anúncio do evangelho da salvação em Jesus Cristo, não pode ser onerado com tradições humanas. Isto é um parâmetro fundamental do Novo Testamento. A circuncisão deixou de ser praticada por este motivo na missão entre os povos que não eram judeus. Em sua carta aos Gálatas Paulo argumenta em prol desta liberdade, sem aceitar meios termos. Do mesmo modo todo trabalho missionário hodierno precisa de espaço de liberdade para poder inserir o evangelho no seu contexto cultural e histórico.

CONCLUSÃO

Assim toda tentativa de impor o uso obrigatório de vestes litúrgicas é questionável por três motivos fundamentais:

Primeiramente porque ignora as Escrituras Sagradas que são e permanecem normativas tanto para a doutrina como para a vivência de toda igreja evangélica.

Em segundo lugar a Constituição da IECLB adotou a Confissão de Augsburgo como síntese fidedigna do evangelho, vinculando-se expressamente à redescoberta do evangelho pela reforma luterana. Ainda que a argumentação dos escritos confessionais não se equiparem às Escrituras Sagradas regulamento eclesiástico algum pode privar a liberdade garantida expressamente neles.

Por fim cada comunidade e cada obreiro precisa preservar a liberdade de buscar formas novas e adequadas para o anúncio do evangelho no meio no qual Deus os tem colocado. O desafio missionário do contexto cultural atual implica na busca de formas novas para a prática litúrgica.